Uma relação entre crise econômica e atendimentos de violência contra mulher que chegaram à Defensoria Pública do Estado chama a atenção. É que a crise global e sanitária causada pelo novo coronavírus refletiu significativamente no número de casos. Isso porque problemas financeiros, aumento do desemprego e da vulnerabilidade social podem ter influenciado mulheres a ficar recolhidas na convivência com o agressor. É o que explica Katerine Braun, defensora pública que atua na Vara de Violência Doméstica de Santa Maria. De outubro de 2020 a setembro deste ano, o número de atendimentos envolvendo violência doméstica aumentou 31%, quando comparado com o mesmo período do ano passado.
- A gente vem observando essa penúria geral da população com a pandemia e um aumento da violência em geral. Muitas daquelas mulheres vítimas de violência doméstica que aconselhávamos a romper a relação com parceiros e a investir em si própria estão ficando reclusas por necessidade. Lembrando que a violência contra mulher acontece em todos os ambientes. Não existe mais violência na pobreza, existe menos poder de escolha.
A defensora sustenta que diferente que "criminalizar a pobreza" é entender que muitas que se mantém nas relações conjugais é por a falta de opção e para proteger os filhos.
- A esmagadora maioria das mulheres quando sai de casa leva os filhos e quando fica, permanece pelos filhos. Nos últimos anos, não há um suporte do governo ou incentivo. Há casas de passagem, que não garantem a permanência e as vítimas acabam voltando para os ex-companheiros por necessidade até de comida, pois não há nada mais hostil que a fome - sentencia Katerine.
Segundo a Organização Mundial da Saúde (OMS), o Brasil ocupa o quinto lugar no ranking mundial de feminicídio e cerca de metade dos assassinatos acontece no ambiente doméstico. Vale lembrar que a Defensoria Pública é uma das instituições que faz o primeiro atendimento da vítima.
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AJUDA REMOTA
Mesmo com afastamento do trabalho presencial, a Defensoria não deixou de atuar. Porém, a retomada gradativa da rotina é fundamental para humanizar os atendimentos. Da mesma forma, a defensora ressalta que os encaminhamentos em rede devem ser intensificados.
- As legislações de combate à violência doméstica prezam por mudar o comportamento humano e social em uma sociedade patriarcal. Sem a presença, o olhar se perde. Muitas vezes, a gente abraça aquela mulher no final do atendimento. Eu, inúmeras vezes segurei crianças no colo para que elas pudessem ficar mais à vontade. Também é é fundamental o trabalho em rede: que a mulher vítima de violência que chega no postinho de saúde seja encaminhada à polícia, e depois o Ministério Público ou a Defensoria Pública, além do trabalho das patrulhas da Maria da Penha.
CASOS DIVERSOS
Além da violência física, agressões silenciosas e em todas classes sociais são frequentes. A defensora pública exemplifica um caso emblemático no último ano: um caso lasse média, ambos com Ensino Superior. Ela, com cerca de 40 anos, e ele, com 70.
- O agressor nem enxergava que era agressor. É um reflexo da sociedade patriarcal que reduz a mulher ao prazer, à servidão e à maternidade. Ele controlava as roupas, as conversas, esperava ela na saída do trabalho entendia isso como "cuidado". Fizemos audiências, encaminhamos para Caps, grupos de homens e ela chegou a solicitar a medida protetiva. Porém, como era um bom pai, um bom vizinho, ela voltou atrás. Isso acontece com frequência, mas o trabalho da Defensoria é seguir trabalhando, pois o poder público tem uma atuação muito assertiva nos casos de violência com agressão física, mas nos casos de violência psicológica ou com agressão moral ou sexual, o peso da cultura da objetificação da mulher, ou seja, a cultura machista acaba sendo um empecilho para a verdadeira mudança na realidade da vítima de violência doméstica - argumenta.
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NO ESTADO, AUMENTO FOI DE 70%
style="width: 327.031px; float: right; height: 237.293px;" data-filename="retriever">Dados do relatório anual da Defensoria Pública do Estado do Rio Grande do Sul (DPE/RS) mostram que, em nível estadual os números são ainda mais alarmantes. De outubro de 2020 a setembro deste ano, o número de peticionamentos envolvendo violência doméstica aumentou 257%, quando comparado com o período do relatório anterior. No total, foram 25 mil peticionamentos na área. A violência doméstica também foi o sétimo assunto mais frequente dos atendimentos, sendo responsável por 17 mil registros, contra 10 mil do período anterior - um aumento de 70%.
A DPE/RS tem encaminhado mulheres para acolhimento em casas de referência, faz o ajuizamento de ações envolvendo divórcio, dissolução de união estável, bens, guarda e pensão, bem como acompanha os processos que tramitam nas varas especializadas, fiscalizando o cumprimento de medidas protetivas. Em alguma s cidade, há equipe composta por diversos profissionais, como assistentes sociais e psicólogos.
- Também fazemos um trabalho extrajudicial que busca, antes de punir, reeducar o agressor, oferecendo oficinas e grupos. Diante da constatação desse aumento nos atendimentos e peticionamentos, esperamos que as mulheres continuem buscando seus direitos e que sim, as pessoas metam a colher e sigam denunciando esses casos - pontua a dirigente do Núcleo de Defesa da Mulher (NUDEM), defensora pública Tatiana Kosby Boeira.
*Com informações da Assessoria de Comunicação da Defensoria Pública